na catraca

1.26.2008

praça clóvis

Salve, salve,

depois de um breve sumiço, de volta à praça.

Cinema e Histórias em Quadrinhos.

Ou: primeira nota sobre uma poética do roubo

Muito tem se falado ultimamente sobre a proximidade entre quadrinhos e cinema, e de fato, essa é uma comparação velha, que remonta ao nascimento das duas linguagens. Não obstante, a discussão posta em curso hoje, segundo creio, é muito mais fruto de uma relação financeira que os quadrinhos tem mantido atualmente com o cinema – afinal, filmar histórias em quadrinhos se tornou um negócio deveras lucrativo em Hollywood – do que qualquer outra perspectiva mais profunda, filosófica mesmo, a cerca destas linguagens, suas possíveis relações e afastamentos.

De partida, aponto algumas convergências entre elas, embora esse não seja de imediato meu interesse. Essas convergências, busco-as em pontos relativos à construção da linguagem enquanto tal, e sobretudo tentarei fugir às obviedades:

Partindo do princípio de que ambas são maneiras de se contar histórias (o que a rigor não é verdade, mas vamos lá) tanto em uma quanto em outra teremos uma coisa fundamental que é a escolha dos planos, ou mesmo a escolha de como o público vê a cena que está posta. Para Martin Scorcese, diretor, trata-se de saber o que você quer dizer para seu público com a cena; para Will Eisner, quadrinhista, trata-se de entender como a apresentação dos quadros torna mais claro o sentido de sua história – sentido aqui pensado mais como intenção do que como vetor – compreensões de fato muito próximas.

Ambas linguagens trabalham com a concatenação seqüencial de planos para a construção da história. Seqüencialidade. Em uma, com imagens estáticas, em outra com imagens em movimento.

No meu ponto de vista esses são os dois principais pontos de encontro entre quadrinhos e cinema. Todas as outras coincidências (estrutura narrativa, montagem, etc) são variações de um ou de outro, ou mesmo de sua articulação coerente.

Pra citar mais um ponto tocante, não podemos esquecer que ambas são linguagens de massa, digo, da indústria de massa, logo, destinadas a um grande público, além de terem nascido sob o signo da reprodutibilidade técnica da obra. De partida, nascem destituídas do fetiche do original: em uma como na outra, o original é o múltiplo: a revista e o filme.

Resumindo: são linguagens que se constroem a partir de planos: utilizam cenas postas numa determinada seqüência; são por princípio reprodutíveis e estão dentro do que se convencionou chamar indústria de massa.

Um discurso corrente na historiografia artística moderna aponta o fato de que as artes em geral, se fizeram modernas quando começaram a entender suas especificidades, ou seja, o que tinham de características suas que não dividiam com nenhuma outra linguagem. Nunca concordei com essa leitura. Primeiro porque ela é estritamente formalista, e segundo, porque ela ignora o fato de que a obra de arte é construída a partir de relações muito sutis e que são, a meu ver, extra linguagem, fruto das relações que o artista mantém com a história, com outras linguagens, outras obras e sobretudo com o que o artista rouba de tudo isso e torna seu. Neste sentido, a arte é fruto de um roubo.
É exatamente nesse ponto que eu creio, que os quadrinhos e o cinema tem muito a contribuirem mutuamente. Não partilhando cordialmente o que tem em comum, mas roubando o que o outro tem de específico.

Almodóvar, diretor, afirma categoricamente que tomar emprestado é um equiívoco, para ele, só o roubo é plenamente justificável. Sob o ponto de vista da construção artística, me parece que ele tem absoluta razão. Roubar é se destituir de um purismo formal e assumir, em seu trabalho, partes de histórias que até então não lhe pertenciam.

Amigos e amigas, façamos arte: roubemos!

Abraços

Alcimar Frazão

3 comentários:

Anônimo disse...

...ainda não li, mas já até sei porque andou divulgando por aí...

.gustavo disse...

Essa de ficar justificando roubo de arte como roubo "pela arte" me parece desculpa de aleijado.

No entanto, como já li, devo acrescentar: faz todo sentido.

Espero o próximo assalto.

André Bernardino disse...

hmmm... tudo isso pra explicar que vc usa mesa de luz???

heheheh

Cézanne, de certa forma, já dizia isso, não? Ao explicar que o que fazia era pintura e não a reprodução do que via. O artista toma o que quer e transforma e algo único.

Azar de quem não pegou antes.